quarta-feira, 27 de março de 2013

(AR) MÁRIO.

Mário
22 anos de idade
Gay

Não por escolha
Não por falta do que fazer
Não por ter entrado na porta errada

Não por ter comida uma bolacha salgada
Não por ter andado em um ônibus lotado
Não por gostar de Madonna

Gay
Nada além
Nada de sobrenatural

Tímido
Gosta de café
Joga futebol
Assiste o National Geographic
É viciado em filmes de terror

Não por ser gay

Ele não anda na rua de mãos dadas com o namorado
Não o beija em público
Não encosta sua cabeça no seu ombro na sala de cinema
Para a família o apresentou como um mero amigo
O amor da sua vida
Um mero amigo
Você acredita?

Mário não quer um monumento em sua homenagem
Mário não quer esfregar a sua orientação na cara da sociedade
Mário não quer um abraço, quer respeito

Mário só quer o direito de ir e vir sem medo de ser confrontado
Ridicularizado
E por que?
Por ser gay
Por ser quem ele é

A homossexualidade nada mais é que a falta de informação
Não é uma anomalia
Um vírus
Você não contrai
Não vira da noite pro dia
Não opta

Mário é obrigado a viver em um lugar escuro
Mário permanece calado quando alguém o ofende indiretamente
Muitos vivem assim como o Mário
Angustiados
Isolados

Muitos não aguentam a falta de ar
E morrem sufocados.

Se esconder é viver uma mentira
É negar a si mesmo
Se assumir é correr risco de morte

Você que não vive esse dilema, como dorme?

PRÉDIO.

estamos em andares diferentes
você no 6ºB
eu no 10ºD
você me convida para descer
mas já passa da meia noite

você insiste

mas eu já apaguei as luzes
desliguei a tv
arrumei minha cama de solteiro
tomei minha última xícara de café
tranquei as portas e janelas

no dia seguinte
nos esbarramos no elevador
então
com uma esperança feito água no deserto
esperei que você me convidasse para jantar
almoçar
ver um filme
sei lá

depois de um silêncio agonizador
chegamos no térreo
você me desejou um bom dia seco
e foi embora.

ROTINA.

acordo
tomo banho
preparo meu café da manhã
abro a caixa de cereal
despejo leite no copo
escovo os dentes
visto a cueca
a calça
a camisa
penteio o cabelo
passo perfume

te encontro
você me amassa
tira minha camisa
a calça
a cueca
despenteia meu cabelo
beija-me a boca
prepara nosso café da manhã

eu te sirvo
você me serve
e a gente se ama.

DIZEM.

Amor não dá lucro.
Amor é prejuízo irreversível.
Amor é saudade sem ponto final.
Amor é sinônimo de dor
Antônimo de pôr-do-sol

Amor é a fusão de duas cores
Cores que às vezes não se misturam
Amor é um risco
Uma queda livre
Um impulso no ar

Amor é uma aposta
nem todo mundo quer arriscar.

terça-feira, 26 de março de 2013

in DIRETAS.

a verdade é que eu queria poder te chamar sempre que eu te quisesse por perto. e eu chamo, mas você não responde. infelizmente, não posso exigir nada na situação atual que nos encontramos. infelizmente, não somos nós. você ainda é você, e eu ainda sou eu. separados. ora, como dois íntimos. ora, como dois desconhecidos que nunca se viram na vida. a verdade é que eu queria saber por onde você anda. em que lugares da cidade ficam a marca da sola dos teus sapatos. tenho medo de que seja na casa de outro. até o meu silêncio, se pudesse falar, gritaria teu nome. se houver outro personagem nessa história, estamos fadados ao fracasso. você não, eu. o vejo passando do outro lado da rua, virando a esquina, tenho vontade de chamar sua atenção, mas não faço nada. te vejo como um animal arredio, espancado pela vida, com medo de deixar alguém se aproximar. se eu resolver apertar o passo, certeza que você foge. já disse que pode confiar em mim. vou permanecer aqui esperando por uma ligação, uma carta, um sinal. só não sei até quando.
você demora pra pôr a roupa
o sapato
arrumar o cabelo
ligar o carro
tirar o carro da garagem

demorou meses até dizer que me amava
que queria morar comigo
que eu era o homem da sua vida

e na primeira tempestade
no primeiro empurrão
na primeira esquina
no primeiro quebra mola

você se despede de mim
como se eu não fosse nada.
dos clichês do fim de um relacionamento: a gente ainda pode ser amigo.
mas se você quiser
eu largo meu emprego
a faculdade
as aulas de tango
vendo minhas telas
minhas roupas
meus sapatos
minhas cuecas
trabalho doze horas por dia
não compro mais livros
suplementos alimentares
recorro a empréstimos com bancos
financeiras
amigos próximos
distantes
mas se você não quiser
fazer o que?
fico onde estou e ponto final.

quarta-feira, 20 de março de 2013

sexo.


Sigo correndo, batendo em portas que não abrem. A chuva batendo agressivamente no meu corpo. Enquanto isso, homens e mulheres se atracam nos seus quartos feito lobos, arranhando a pele do outro, devorando cada centímetro de sentimento que impulsiona o encontro desses corpos. No quarto, há uma criança chorando atrapalhando o sexo dos pais recém-casados. Na sala, a TV está fingidamente ligada, enquanto o sofá é campo de batalha entre os dois rapazes que se conheceram na estação de trem. No quarto de hotel, um comissário de bordo e um estudante de engenharia elétrica. Ele passa pelo saguão acompanhado do estranho, mas ninguém pede identificação. Não há um ser vivo na portaria. Três lances de escada. A criança só para de chorar quando encontra abrigo no colo do pai, enquanto a mãe veste lentamente a camisola e se prepara para dormir, de novo, sem ter desfrutado até o final da sua lua de mel. Ela pega o livro na cabeceira da cama e começa a ler enquanto o marido não volta. Desligam a TV. Ele joga a almofada no chão, e o outro lhe arranca as bermudas. A mão por dentro da cueca. A mão na nuca. A língua adentrando o mais fundo da garganta. Um desespero por um sexo bem feito, um desespero por um sexo melhor do que o da noite passada. Agora ele não quer mais saber de amar ninguém, só quer fuder, fuder, fuder, fuder. O comissário passa o cartão na porta do quarto, e os dois entram. Pode se sentar, fique à vontade, diz ele. Timidamente, o estudante se senta. A TV está ligada. Os Simpsons. O outro se senta ao seu lado. Os dois ficam um tempo se olhando. As pernas unidas salientando uma timidez difícil de ser escondida. O comissário sorri. Os dentes são incrivelmente brancos. Agora, o estudante olha o outro mais atentamente. Alguns fios brancos, o rosto afilado, a voz absurdamente linda. Sardas nos ombros, camiseta regata, bermuda. A cueca rosa. Os olhos verdes. Os cabelos curtos e lisos. Não há mais silêncio no quarto. Desligam a TV. O bebê finalmente dorme. Não há mais barulho, mas, infelizmente, a mulher caiu no sono. O marido passa pelo quarto e vai até o banheiro. Apoia a mão esquerda na parede, abre o vaso sanitário, bate punheta, goza, dá descarga e volta pra cama. A mulher lhe abraça e os dois dormem profundamente. Do sofá para o chão da sala, da sala para a cozinha. Um sentado em cima do balcão e o outro em pé. Um colocando expectativas altas naquele sexo descompromissado, e o outro pensando no próximo que irá colocar naquele mesmo balcão na noite seguinte. Um sempre acredita mais, e se fode. Um sempre espera menos, e se surpreende. Um deles vai terminar a noite se lamuriando para o melhor amigo. O outro vai pedir uma pizza e ir dormir. Uma hora depois eles cruzam novamente o saguão com um sorriso imenso no rosto. Não sabem quando irão se ver de novo, tampouco se chegarão a se encontrar novamente, mas, definitivamente, aquela noite no hotel nunca será esquecida.

terça-feira, 12 de março de 2013

Volta aqui.


Volta aqui, não vira esse rabo na minha direção e me deixa falando sozinho com as paredes. Não vá embora como se eu fosse o único culpado dessa merda que escorre pelo teto nas nossas cabeças. Não me deixe falando com esse seu cabelo longo que já percorreu tantos pedaços virgens do meu corpo. Virgens até o dia em que você pintou na minha vida. Pena que no meio do caminho você decidiu bordar. Enfiara a agulha por dentro das minhas veias, deixou que meu sangue jorrasse na sua cara. Você ria. Riso alto, riso de cuspir na minha cara, como se nada estivesse acontecendo, como se nós ainda fôssemos os mesmos daquele primeiro encontro em um restaurante japonês. Agora é tarde para dizer que você foi forçada a comer aquelas “porcarias naturais”, que é como você chamava quando eu virava as costas. Você encenando, achando que eu não sabia que você falava mal dos meus perfumes amadeirados, cítricos. Eu sabia Ana, eu sabia que quando eu saía por aquela porta você convidava rapazes para adentrar nosso apartamento e os deixava montar em cima de ti como se fosse uma cabrita no cio. Aposto que urrava mais do que urrava comigo. Aposto que usava algemas, chicotes e calcinhas comestíveis. Que nojo que eu tenho de você. Quando eu chegava, lá vinha você toda serelepe com uma camisolinha de seda clara, tão clara que dava de ver os bicos do seu peito me convidando para uma transa às dez e meia da noite de uma quinta-feira chuvosa. Silenciosa, com o corpo curvado em cima do meu, as nádegas batendo nas minhas coxas, e os cabelos estáticos. Dois coelhos em fase terminal, e nem sequer sabíamos disso. Talvez você, mas eu não. Nunca suspeitei que você usava meu cartão de crédito para sacar dinheiro e ir para motéis com um bando de leprosos que eu nunca terei o desprazer de conhecer. Ou não. Vai ver é um amigo meu da firma. Vai ver um desses caras com quem você trepa enquanto eu ganho dinheiro para pagar suas bolsas de marca, seja justamente o mais simpático do setor, aquele que leva café na mesa, que sorri de um jeito tímido, mas que lá no fundo, lá no fundo da alma, esmurra paredes com raiva toda vez que o chefe diz que o relatório precisa ser refeito mais uma vez porque ficou um desastre. Bate a própria cabeça na mesa. Eu te queria mais do que os malditos livros que compro todo mês. Eu te queria mais do que café quentinho na cama aos sábados pela manhã. Eu te queria mais do que a morte em filme de assombração. Eu te queria por dentro, por fora, do avesso, banhada em chocolate, retorcida, partida no meio. Eu te queria de qualquer jeito, desde que você fosse minha, só minha. Mas você escolheu seu caminho. Bem feito, Ana. Essas doenças que você despeja em desavisados foram a praga que eu nunca te desejei em silêncio, mas que hoje sinto remorso por não ter feito parte desse ensejo. Eu apenas desejei que você pagasse na mesma moeda. Eu sempre desejo isso a quem me faz mal, mentira seria se eu dissesse “muito obrigado” a cada mulher que já tentou foder a minha vida. Se todo mundo pagasse pelos erros que cometem, ao invés de serem pessoas ainda mais felizes, esse mundo não estaria do que jeito que está, escabroso, medíocre. Se cada um colhesse realmente aquilo que enfia em terra fértil, não haveriam desajustados. E eu - certamente - não teria conhecido você.