quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Parece que foi ontem.


Parece que foi ontem que nós dois estávamos na mesma estação, esperando para pegarmos o mesmo trem. Parece que foi ontem que a gente dividiu uma uma travessa de brigadeiro, enquanto assistia algum filme francês qualquer. Parece que foi ontem que você dormiu enquanto conversávamos de madrugada no celular. Parece que foi ontem que eu pensava em te prometer o mundo, mas ficava calado. Já havia prometido a mim mesmo nunca mais prometer nada. Mas a gente planejava. Parece que foi ontem que nós imaginávamos a nossa casa. O nosso casamento. O ambiente. A decoração. Os convidados. O local. Parece que foi ontem que eu te presenteei com um livro e um urso de pelúcia. Parece que foi ontem que eu ganhei um travesseiro com um coração estampado nele. Parece que foi ontem que meu celular tocou e era você ligando só pra dizer que me amava um pouco mais do que há um minuto atrás. Parece que foi ontem. E foi. Hoje não é mais.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

SOCIEDADE. [+18]


Sempre pendi mais para o lado dos vilões, dos caras desajustados, desesperados, desalinhados, com a barba por fazer há meses, os dentes tortos, as calças largas e sujas nas pontas. Nunca fui com a cara dos mocinhos, dos sempre perfumados, cabelos cortados nas laterais, óculos de grau, mochila da Adidas, tênis da Puma e blusa da Calvin Klein. Caras assim não te surpreendem, não enfiam a mão entre as suas pernas a menos que você tenha que gritar. Os desleixados são granadas, explodem antes mesmo de você pensar em querer ficar aos mil pedaços. Também gosto das cadelas, das putas, das bêbadas, que usam meia-calça rasgada até a metade da coxa. Que deixam a maquiagem borrar e não vão ao banheiro para retocá-las. Que enchem o rabo de cachaça e reclamam da vida sem parar. Batem forte na mesa para chamar o garçom. Não usam e muito menos sabem o que é Instagram. Gosto de gente que manda os outros irem se foder, se eles tiverem mesmo que ir foderem. Às vezes uma boa foda salva um dia de merda, não é mesmo? Gosto dessas que metem a mão na sua calça por debaixo da mesa, enquanto a família inteira discute sobre política e conservadorismo. O olho contorcendo de prazer, e você diz: obrigado, a comida está deliciosa. Goza ali mesmo, na mão dela. Sempre pendi mais para o lado das putas, do que das santas. São mais parecidas comigo, tão imprestáveis quanto eu. Não gosto de regras, de leis, de religião, de ter que fazer aquilo que a sociedade espera. Não gosto de ser moldado por alguém. Eu quero ser moldado pelas minhas falhas, pelas minhas farras, pelas minhas fodas, pela minha sabedoria excêntrica. Por mim, não pelos outros.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Vai!


Vai, mas vai logo, vai antes que eu sinta sua falta. Vai antes que eu me meta na frente da porta e só saia quando ouvir a sirene da polícia tocando na beira da calçada. Pega tuas coisas, me promete que não vai esquecer nada. A pasta de dente, a escova de cabelo, as roupas, a última feira que ainda não foi colocada na geladeira, leva qualquer coisa que tenha teu nome, que me lembre que você exista. Vai, mas vai logo, vai antes que teu perfume comece a impregnar pela casa inteira. Só Deus sabe o trabalho que vou ter pra poder tirar o teu cheiro de tudo. Dos lençóis, das minhas roupas, da minha pele. Não esquece dos cds, dos presentes, é sério, eu não quero que fique nada. Aquela tua camisa que eu adoro vestir no final de semana, pode levar ela também. Enfia tudo na sua mala azul, nessa sua maldita mala azul e segue teu rumo. Encontra outro lugar pra morar bem longe de mim, e reza pra gente não se esbarrar por aí tão cedo. Me dá um tempinho até eu processar tudo. Me dá alguns segundos só pra eu cair na real. Não, não, alguns segundos não. Me dê alguns meses. Isso, meses. Vou precisar de meses até passar pelas quatro fases do término: enlouquecimento, ajuste forçado, pseudo superação e o tão esperado "quer saber? foda-se". E, se por acaso, o acaso for tão filho da puta quanto você e nos colocar na mesma calçada, indo em direções opostas, me faz um favor? Passa direto, finge que eu morri. Não me lança nenhum olhar de pena, ou simpatia, ou qualquer outro tipo de sentimento que eu vá provocar em você. Porque, a verdade mesmo, é que quando você sair, vai - de uma maneira ou de outra - levar ao óbito uma parte de mim.

ONDE NÓS ESTAMOS?

[para ler ouvindo: adam levine - lost stars]

encostei minha cabeça na beira da piscina. meio dia. o céu aberto. o sol brilhando intensamente lá em cima. coloquei qualquer música pra tocar e fiquei olhando as nuvens. alguns segundos depois, elas não estavam mais no mesmo lugar. tudo girava. rápido. desproporcionalmente. então eu acordei com o despertador tocando. você estava atrás de mim. me abraçando tão forte como se eu fosse um travesseiro. me desprendi vagarosamente para não te acordar. você se remexeu um pouco e depois voltou a dormir. fui andando até a cozinha para preparar o café. quinze minutos depois você acorda com o cheiro do café, provavelmente. a cara amassada. o cabelo desgrenhado. me dá um beijo de bom dia, pega o celular e começa a olhar as notícias do dia. coloca café na minha xícara, depois na sua. tem ovos mexidos. torradas. pão de queijo. iogurte. você pergunta o que eu quero fazer. e eu respondo que nós poderíamos ir até o parque fazer um piquenique. ir ao cinema depois. ou quem sabe, jantar em algum restaurante que ainda não fomos. ainda tem tantos. tem tanta coisa pra vermos ainda, afinal, faz só quinze dias desde que decidimos morar juntos. no parque, você me conta do relacionamento com os seus pais. sobre sua mãe não ser presente. sobre seu pai não te dar a atenção que você tanto precisou. sobre seu irmão ser o seu porto seguro. os seus melhores amigos. seu primeiro porre. a primeira garota que você ficou na vida. o primeiro cara que você namorou. o seu último namoro. os seus medos. seus objetivos. anoitecia, e a gente ainda tinha tanta coisa para ser dita. que seria dita mais tarde. nos levantamos, fomos caminhando. você contava sobre a cidade. eu ouvia atentamente. atentamente eu decorava cada movimento do seu rosto. o modo como sua boca se movia. a sua voz. o jeito como seu olhar ia e vinha por toda a avenida. os seus dentes. as suas mãos sempre gesticulando, como se complementassem toda a história. que estava sendo contada. a música acabou. abri os olhos. as nuvens estavam em outro lugar. você não estava lá do meu lado. meus olhos se encheram de lágrimas, lágrimas que hesitaram em querer transbordar pelo meu rosto. não tenho outra saída. o jeito é colocar outra música e continuar sonhando.

domingo, 14 de setembro de 2014

a pior pessoa do mundo.

não, eu não ligo se você caiu. eu não vou te ajudar a levantar. eu não vou te fazer um favor quando você mais precisar. eu vou deixar as plantas morrerem. eu vou jogar lixo na rua. vou tacar comida pelo ralo da pia. vou me encher de gordura saturada. entupir minhas veias. vou parar de fazer academia só pra foder com a minha saúde. não vou respeitar os idosos. as crianças. os deficientes. vou queimar os filmes que você me deu de presente. vou rasgar as cartas. vou dirigir em alta velocidade. vou ultrapassar o sinal vermelho. vou desrespeitar as leis de trânsito. as leis da vida. vou mandar os outros pro inferno. vou ser egoísta. vou fazer os outros se apaixonarem por mim, e em seguida dar o número errado. vou escrever poemas românticos e vou entregá-los. vou deixar os outros acharem que tudo aquilo que está escrito é verdade. vou ser egocêntrico. vou colocar pimenta na sua comida, mesmo sabendo que você tem alergia. eu vou ser a pior pessoa do mundo, só pra ver se você me liga, nem que seja pra me chamar de filho da puta.

sábado, 13 de setembro de 2014

RECIPROCIDADE.

[para ler ouvindo: milk & honey - arcade fire]



Como é a sensação de ter a pessoa mais importante do mundo entre os braços? Maravilhosa, eu diria. E a sensação da reciprocidade? De dar todo aquele amor e recebê-lo de volta? Sinceramente, eu não sei. Eu achava até ontem que já havia amado alguém, mas hoje não tenho tanta certeza. As pessoas escaparam de uma forma tão fácil, que eu duvido que se fosse amor mesmo eu teria deixado elas irem embora com tanta facilidade. Talvez eu já tenha sido o mundo para alguém, ou quem sabe um projeto de mundo. Dizer "Você é a pessoa que eu mais amo" é tão fácil quando ir lá e deixar um copo sujo na pia da cozinha. Usar as palavras, manobrar os verbos, sempre vai ser simples. Difícil é fazer isso através de um toque, de um beijo, de um abraço ou até mesmo um olhar. Eu queria imaginar minha vida sem alguém e não conseguir. Eu queria que alguém imaginasse a vida sem mim e não enxergasse futuro nenhum. Queria ser para alguém o mesmo que esse alguém é aqui dentro de mim. Queria sentir, pelo menos uma vez na vida, isso que as pessoas chamam de reciprocidade. Esse amor que você joga e volta feito bumerangue. Não com a mesma força que vai, é claro, mas na mesma sintonia. Cada um ama de um jeito diferente. Não quero alguém que me ame da mesma forma que eu amo, mas que esteja junto comigo, no mesmo lugar. Alguém que um dia não vá achar a estrada da direita mais interessante. Ou que a estrada da esquerda é mais liberal. Alguém que encontre em mim a gota de água que faltava para transbordar. Que me veja como um sinal de adição. Que acate os meus defeitos mais insuportáveis. Alguém que saiba equilibrar o relacionamento. Que não me sufoque, mas que não me deixe exageradamente livre. Que não seja ciumento, mas que me pergunte "quem era?" depois que eu desligar o telefone. Talvez o preço dessas exigências seja a solidão. Talvez a culpa seja dos filmes. Eu sei, a vida não é um romance hollywoodiano, mas reciprocidade não é ficção. Não é algo que só exista em roteiro de filme romântico. Deveria ser mais simples. Se fosse simples, não seria tão incrível, mas também não seria doloroso.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Fica?

[leia ouvindo: a canção que faltava - isabella taviani]

- Fica, fica aqui!
- Eu não posso, meu voo tá marcado pra amanhã.
- Mas... por que?
- Tem o meu trabalho, minha casa, minhas coisas... tudo está lá.
- Então trás pra cá.
- E o meu emprego? Vou viver de que?
- Eu... eu te emprego. Abro uma empresa só pra você. A gente monta uma sociedade.
- Com que dinheiro?
- É... verdade, eu não tenho tanto dinheiro assim. Talvez eu tenha que arrombar um caixa eletrônico.
- Você vai preso.
- Vou nada, se o guarda tentar me prender, eu olho bem pra ele e digo: Seu guarda, por favor, é por uma boa causa. Tá vendo essa pessoa aqui? - Aí eu mostro nossa foto, e continuo explicando. Eu sou exageradamente louco por ela. Fiz isso por amor. O senhor entende, não entende?
- Você vai preso.
- Ok, eu vou preso. Mas você tá seguindo meu raciocínio? Eu quero que você fique.
- Por que? A gente mal se conhece.
- Tenho a impressão que te conheço há muito tempo. Como se a gente junto fosse a coisa mais certa nesse mundo. O que eu posso fazer ou dizer pra te convencer disso?
- Tô mais do que convencido.
- Eu quero cuidar de ti. Eu sei que você tem essa pose de ser autossuficiente, mas tenho certeza absoluta que você quer ser cuidado, quer ser olhado, quer ser ajudado. Tu já arriscou outras vezes, saltou em outros mares desconhecidos. Por que não arriscar em mim? O que tu tens a perder?
- Teus argumentos são bem sólidos.
- Se você pudesse ver dentro de mim, você não pensaria duas vezes em ficar.
- João... João...
- Tanto tempo já passou desde a primeira vez que nos vimos, e olha aí... estamos aqui de novo. Nada é por acaso, sabia?
- Isso é verdade.
- Ontem eu vi dentro do teu olhar, a luz que eu buscava em tanta gente mas nunca encontrava.
- João?
- É uma música.
- Não, é que meu avião já vai decolar.